O INTERROGATÓRIO DO CADÁVER
Quando o chefe de família (famièn) morre, os restos mortais são retirados de seu corpo: cabelos, pelos púbicos e unhas - representando a cabeça, o sexo e as extremidades - reconstituindo simbolicamente o corpo do falecido. Estes fragmentos, envoltos em um pano, são colocados dentro de uma espécie de maca de bambu, coberta com veludo vermelho e cujas dimensões lembram à de um corpo humano. Esta representação sobrevive ao corpo mortal, estendendo-o como seu "duplo".
Este objeto, o kpata, que supostamente representa o corpo da família, é carregado na cabeça por dois necróforos, os alufuè, assistido por uma terceira pessoa. Um notável 'interroga' o cadáver, fazendo perguntas em voz alta sobre as causas de sua morte. A estas perguntas, o corpo carregado na cabeça pelo alufuè tem duas possibilidades de resposta: responderá afirmativamente, tocando três vezes as mãos levantadas do questionador; ou negativamente, tremendo para a direita e para a esquerda. Também pode não responder, evitando o movimento, hesitando ou recuando ligeiramente. A maca também pode identificar pessoas, movendo-se na direção delas e tocando suas mãos ou, na ausência delas, apontando para sua casa, um parente, um objeto.
As "respostas" do kpata são extraídas em partes, em abordagens progressivas, em tentativa e erro. A maca não fala, ela só pode responder com gestos codificados às perguntas que lhe são feitas. Assim, o kpata expressa o que todos já sabem mas não podem dizer abertamente.
A primeira parte do questionamento diz respeito à busca das causas da morte do famièn; a maca procede, através de seus movimentos, para acusar um dos presentes, indo tocar suas mãos. Por este procedimento ordálico (NDT: perigoso; de um risco fatal), o cadáver designa uma ou mais pessoas responsáveis por sua morte.
A segunda parte do interrogatório diz respeito à designação do sucessor. Na praça principal da aldeia, a maca que encarna o rei falecido toca as mãos levantadas de um dos presentes três vezes, retirando-o do círculo de notáveis e designando-o, através do contato direto e aos olhos de todos, como seu sucessor.
Mais tarde, durante uma sessão reservada aos membros de sua família estendida, o falecido, ainda por meio da maca, procederá à distribuição da herança de seus bens materiais pessoais.
Com base na autoridade do corpo da família que representa, a maca indica, designa, denuncia e acusa, com uma evidência material e visual que assusta os presentes, especialmente porque a forma espetacular não é estranha aos funerais reais. Os julgamentos da kpata têm a força de uma provação e não admitem réplica.
O falecido agora conhece e vê coisas que estão além do alcance do comum dos mortais.
Funeral do famièn Nana Boua Yao Koffi, Taki-Salekro
Baulé, Costa do Marfim, agosto de 1988
Texto: Fabio Viti
Tradução: João de Athayde